Artesanato do Maranhão

Destaques

Cerâmica

Jandir Gonçalves e Paula Porta

As peças utilitárias predominam na produção maranhense e, dentre elas, o pote para água e o alguidar para amassar juçara e tantas outras coisas talvez sejam as peças tradicionais mais representativas.

O pote segue atravessando o tempo em uma produção de tradição cultural, sendo a peça mais comum enquanto corpo cerâmico, possuindo vários formatos, com capacidade para conter meia lata, uma lata e até seis latas de água. Podem ser torneados ou levantados com o acordelado para, a princípio, acondicionar água de beber, que se mantém sempre fria e com gosto característico da região onde se localiza o barreiro. Existe ainda uma variante do pote, chamado cumbuca, que serve para guarda e conservação de grãos como arroz, milho e feijão, este tem boca grande para facilitar a retirada do conteúdo com uma cuia.

O alguidar, assim como o pote, traz marca regional conforme sua produção, encontra-se disponível para guarda e serviço, é usado principalmente por festeiros que o utilizam para fazer vinha-d´alho, bater bolo, amassar juçara, acondicionar arroz, carnes e bolos. Em um passado próximo era utilizado para banhar crianças. Torneados ou feitos com a técnica do acordelado, os alguidares são vasilhas redondas com diâmetro da boca bem maior que o da base, produzidos em vários tamanhos. As louceiras costumam impermeabilizar a parte interna com resina de jutaicica para que o mesmo não fique empapado. É possível localizar o alguidar em feiras, mercados e lojas de produtos religiosos, também são comumente utilizados nos terreiros de Mina, Umbanda e Terecô, sobretudo para a maceração de ervas na feitura do amassi/ banho.

Ao pote e ao alguidar somam-se muitos outros utilitários como panelas de todo tipo, moringas, bilhas, filtros, pratos, fruteiras, bandejas, tigelas, farinheiras, travessas, cumbucas, saladeiras, xícaras, copos, chaleiras, cofres, jarros, sapatas, castiçais, candeias, grelhas, fogareiros, fogareiros para defumação, penicões/ bacio, bebedouros para aves, e outras que venham a ser encomendadas.

As tradicionais cabeças de cachimbo continuam sendo produzidas e foram encontradas em Alcântara, Cândido Mendes, Carutapera, Monção e São João Batista.

A cerâmica decorativa também é bastante presente no Maranhão, com grande diversidade de vasos, animais (enfeite de parede ou jardim), flores, fontes, azulejos em relevo e muitas outras variedades.

Estatuetas de bonecas, animais, imagens de santos, anjos, ex-votos e outras são encontrados em menor escala, em geral nos lugares que produzem as demais peças.

Há alguns raros fazedores do se pode chamar de cerâmica temporária. São as peças modeladas em barro cru, secas ao sol e, eventualmente, pintadas. Essas peças mais rústicas podem ser destinadas ao pagamento de promessas a santos e almas milagrosas, decoração ou simplesmente brinquedos.

Também as miniaturas de panelas, feitas por louceiras e oleiros são destinadas às brincadeiras das crianças ou vendidas em festejos.

Oleiros e louceiras atendem as necessidades cotidianas da comunidade em que vivem, também guarnecem produtores de juçara, que utilizam os alguidares para amassar a fruta; festeiros, fazedores da brincadeira do Pastor, do Bumba Meu Boi, do Tambor de Crioula, terreiros de Mina, de Umbanda, de Terecô; produtores culturais, pais e mães de santo que costumam fornecer alimentação para grande número de pessoas em suas atividades e festejos.

As técnicas mais empregadas pelos oleiros e louceiras maranhenses são o torno – manual e elétrico – com queima das peças em forno e o acordelado, que é conhecido regionalmente como tira, murrão, rolo ou rolete com queima a céu aberto e algumas vezes em fornos, como os de buraco. Além dessas técnicas, de acordo com o tipo de peça, são empregados também o repuxo, a placa, a modelagem livre e a moldagem em forma ou uma combinação dessas técnicas.

O barro/ argila disponível nas margens e lavados de rios tem variações grandes, de tonalidade, plasticidade e firmeza. Quando há presença de água salgada vinda com as marés, a cerâmica final adquire um tom bem mais avermelhado. Dentre as chamadas tabatingas, que são barros liguentos encontrados em várias cores, utiliza-se o tauá, barro de cor amarela que fica vermelha quando queimado, sendo usado para desenhar bojos de potes com motivos florais e outros. Outra técnica para decoração com motivos florais, utilizada na região de Cururupu na parte interna dos alguidares, é água saturada com sal marinho, revelando-se a cor vermelha após a queimada.

Na grande extensão territorial do Maranhão há produtores de cerâmica em 32% dos municípios já pesquisados. Dois núcleos são bastante conhecidos e concentram maior número de oleiros e louceiras: a cidade de Rosário e a comunidade quilombola de Itamatatiua, em Alcântara. No primeiro são os homens que trabalham o barro no torno e na modelagem; no segundo, as mulheres louceiras, que utilizam a técnica das tiras/ rolinhos, também chamada de acordelado.

Há uma variedade de fornos para a queima continua da cerâmica: redondos, quadrados, retangulares, fechados e abertos com a utilização da lenha para combustão. Algumas olarias de Rosário construíram fornos menores em vista do aparecimento de novas olarias, que aumentaram a concorrência e da diminuição da comercialização. Poucas comunidades fazem uso do forno de buraco, com uso de estrume para a queima.

As três queimas comuns no Maranhão constam das etapas de esquente com fogo brando para a evaporação de toda umidade e o caldeamento com fogo intenso.

ACORDELADO (tira, murrão, rolo ou rolete)

Esta técnica, empregada principalmente no feitio da louça utilitária, é dominada pelas mulheres louceiras, que aprenderam com as mães e avós. O trabalho é pesado na etapa de preparo do barro e da queima das peças, mas as louceiras costumam executar só.

Nos vídeos aqui disponíveis as louceiras explicam as etapas de produção das peças.

Foram encontradas artesãs produzindo com a técnica acordelado em Alcântara, Amapá do Maranhão, Apicum Açu, Bacuri, Buriti, Cândido Mendes, Carutapera, Cururupu, Humberto de Campos, Mirinzal, Monção, Paulino Neves, Serrano do Maranhão e Turiaçu.

A extração do barro costuma ser feita nas encostas e lavados de rios, além dos alagadiços. O preparo/ tempero do barro na maioria das comunidades é feito com a cinza das cascas do itaquipé, porém na região do Baixo Parnaíba utiliza-se barro de duas localidades diferentes na certeza que um é menos plástico que o outro. Algumas louceiras utilizam a areia e também o chamote como antiplástico, para que o barro sustente a subida da peça.

As louceiras usam diversos apetrechos de trabalho como a cuipeua (pedaço da casca do fruto da cuieira) preparada em conformidade com o tamanho das mãos, inclusive levando em consideração se a pessoa é canhota ou destra, que serve para abaloar potes, alguidares, bilhas, moringas e tigelas. Usam também a tamboeira (sabugo de milho) para acepilhar as peças quando já estão na dureza couro, como é conhecida por elas; os cocos anajá e tucum e as pedras roladas são utilizados para o alisamento e polimento das peças. Uma série de objetos como colheres, facas, pentes, pedaços de frascos de plástico são improvisados para execução das mesmas tarefas. A maioria das louceiras usa pedaços de folha de bananeira sob a base da peça durante sua confecção, utilizam folha de goiabeira ou ainda orelha de pau (fungo) para fazer o acabamento das bordas, usam pedaços de folíolos da palmeira babaçu para fazer medições quando a peça requer asas ou outros apêndices.

A maioria das louceiras faz a queima a céu aberto e utiliza principalmente as caçambas da palmeira anajá ou os talos da palmeira babaçu para fazer o fogo.

Os alguidares e algumas tigelas costumam receber impermeabilização com uso da resina de jutaicica (extraída do jatobá da mata) assim que são retirados da fogueira, ainda quentes.

Itamatatiua

A comunidade quilombola de Itamatatiua em Alcântara produz louça há muito tempo. A cerâmica utilitária e, mais recentemente também decorativa, é produzida em quantidade significativa. No período de verão chuvoso o tempo de produção aumenta em até dois meses, pois atrasa a secagem. A queima das peças é coletiva e realizada no forno da Associação de Mulheres de Itamatatiua, que também oferece um espaço de trabalho, embora a maioria das louceiras trabalhe em suas casas. A queima é feita em forno, um homem é contratado para esse serviço.

Destacam-se os potes, vasos e alguidares bastante grandes produzidos pelas mais velhas, além da louça e de uma diversidade de peças decorativas.

Periá

Houve no povoado Periá, em Humberto de Campos, um núcleo forte de produção de potes e louça. Hoje ali persiste somente a reconhecida ceramista Maria José Frazão Costa, que já transmitiu os segredos do ofício a muitas e segue produzindo peças especiais, principalmente as de tamanho grande que requerem técnica para levantar e para queimar. Também produz os antigos potes de uma, duas ou mais latas, decorados no bojo utilizando o tauá.  Atualmente tempera o barro com o chamote, continua usando a técnica do acordelado e faz a queima em forno de barro. Atende muitas encomendas de lojas de decoração.

Porto do Nascimento

No povoado Porto do Nascimento, em Mirinzal, há décadas as mulheres da família Louzeiro vêm produzindo a louça que se tornou conhecida além do Maranhão. 

Carutapera

No município de Carutapera há oito louceiras em atividade, que vivem nos povoados de Manaus da Beira, Livramento, São Lourenco e na Sede.

Acordelado de outras partes

Na cidade de Buriti, os irmãos Antonio e Francisco aprenderam com o avô a produzir bocas de fogão utilizando o acordelado com queima em forno. Atendem as necessidades da região.

REPUXO

Em Pinheiro, a louceira Maria Benedita utiliza a técnica do repuxo para subir as peças, que são queimadas a céu aberto com talo de babaçu. Também faz uso da jutaicica para impermeabilizar peças como alguidar e travessa.

TORNO MANUAL COM QUEIMA EM FORNO

A cerâmica de torno em geral é realizada por oleiros homens. As mulheres costumam se dedicar à pintura das peças.

Rosário

A cidade possui jazida de argila de excelente qualidade e alta condutividade, localizada às margens do rio Itapecuru, em local conhecido por Carmo e reservado aos oleiros registrados. As diversas olarias de distintos tamanhos estão ao longo do rio, podem ser de produção individual ou reunir diversos oleiros.

Na cerâmica artesanal, voltada para peças utilitárias e decorativas, também são utilizadas, além do torno manual e elétrico (este com menor presença),  também são utilizadas as técnicas do repuxo, da modelagem e da moldagem. 

Os oleiros do município além de atenderem muitas encomendas, anualmente fazem uma grande produção para ser comercializada nos festejos de São José, na cidade São José de Ribamar. No passado toda essa produção descia o rio Itapecuru e atravessava embarcada a Baía de São José, atualmente o transporte segue por via terrestre.

No município está presente também uma produção em maior escala de tijolos e telhas.

Além da produção de Rosário, cerâmica de torno de excelente qualidade foi encontrada em Codó, Maracaçumé, Santa Inês e São Vicente Férrer.

Uma pequena produção de peças decorativas foi encontrada (além das localidades já mencionadas) também em Bacurituba, Barreirinhas, Bequimão, Cajapió, Codó, Monção, Palmeirândia, Pindaré Mirim e Santa Rita.

A produção de cerâmica vem diminuindo consideravelmente no Maranhão por motivos como a preferência por vasilhames de plástico de baixo valor; o crescimento da produção de máquinas de amassar juçara que dispensam o uso do tradicional alguidar; o desmatamento que gera a escassez de plantas usadas para temperar o barro ou finalizar as peças como itaquipé/ taquipé/ taquari (casca) e a jutaicica (resina do jutaizeiro); o desinteresse das novas gerações em aprender as técnicas; o abandono da prática por envelhecimento sem a transmissão para os mais novos; a demanda física que a prática requer.

Conhecer e prestigiar o trabalho de louceiras e oleiros é uma forma muito importante de preservar essa tradição.